Márcia Brandão - Psicopedagoga

Por Márcia Brandão
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8 de julho de 2015

Desenvolvimento Infanto-Juvenil e os Desafios da Realidade Contemporânea


(...) Para Piaget, no estágio das operações formais, mais ou menos dos 12 anos em diante, ocorre o desenvolvimento das operações de raciocínio abstrato. A criança se liberta inteiramente do objeto, inclusive o representado, operando agora com a forma (em contraposição a conteúdo), situando o real em um conjunto de transformações. A grande novidade do nível das operações formais é que o sujeito torna-se capaz de raciocinar corretamente sobre proposições em que não acredita, ou que ainda não acredita, que ainda considera puras hipóteses. É capaz de inferir as conseqüências. Têm início os processos de pensamento hipotético-dedutivos. Os que tiveram a experiência de apaixonar-se pela primeira vez na vida, isto foi um momento adolescente em que as operações formais piagetianas foram experimentadas com toda intensidade, principalmente contrastando com o período cognitivo anterior de pensamento concreto. Esta é mais uma das mudanças significativas neste momento da vida.

Pensando, o desenvolvimento humano metaforicamente como um leque, como referimos anteriormente, no momento adolescente o indivíduo, depois de ter nascido num meio familiar, estar inserido numa realidade escolar, abre-se finalmente para sociedade e cultura onde estiver inserido.

Atualmente, vivemos um período onde a sociedade e a cultura sofrem intensas mudanças e transformações de paradigmas e valores que incidem poderosamente na existência dos adolescentes. A atualidade e suas complexidades incrementam ainda mais este período evolutivo chamado adolescência, no qual transformações bio-psico-sociais acontecem, pois determina um momento de passagem do conhecido mundo da infância ao tão desejado e temido mundo adulto.

As transformações da adolescência ocasionam flutuações que se caracterizam por momentos progressivos - onde predomina, entre outros aspectos, o processo secundário, o pensamento abstrato e a comunicação verbal - e momentos regressivos - com a emergência do processo primário, da concretização defensiva do pensamento e a retomada de níveis não verbais de comunicação.

Com relação ao aspecto da sexualidade na adolescência temos de pensar a partir da puberdade (modificações biológicas) e da mudanças psico-sócio-culturais que estão implicadas no processo adolescente. Puberdade é um processo biológico que inicia-se em torno dos 9 anos e estende-se até em torno dos 14 anos. Como fenômeno orgânico de maciço desenvolvimento hormonal é o que origina os chamados "caracteres sexuais secundários". Percebemos que o adolescente, após isto, já estaria maduro organicamente para exercer sua genitalidade, porém cabe pensar neste momento se estaria "pronto" para viver a plenitude de sua sexualidade... Sabemos que genitalidade e sexualidade não são sinônimos, ou seja, a primeira significa o ato puro de uma relação sexual, enquanto que a segundo é muito mais abrangente, englobando além do ato da relação sexual também todo o envolvimento afetivo necessário para a completude de uma relação amorosa. Genitalidade está entre as pernas, sexualidade está entre as orelhas.

A identidade sexual, que começa a se organizar desde o nascimento, adquire sua estrutura, seu perfil definitivo, na adolescência. É nesta etapa da vida que ocorre a passagem da bissexualidade básica (infantil) para a heterosexualidade (adulta). Este processo integra a vivência do individuo de maneira muito significativa tanto em termos externos (sociais, culturais) como internos (pessoais, afetivos).

A adolescência é caracterizada por inúmeros elementos, dos quais podemos referir alguns: a perda do corpo infantil, dos pais da infância e da identidade infantil; a passagem do mundo endogâmico ao universo exogâmico; a construção de novas identificações assim como de desidentificações; a reorganização de novas estruturas e estados de mente; a aquisição de novos níveis operacionais de pensamento (do concreto ao abstrato) e de novos níveis de comunicação (do não verbal ao verbal); a apropriação do novo corpo; vivência de uma nova etapa do processo de separação-individuação; a construção de novos vínculos com os pais, caracterizados por menor dependência e idealização; a primazia da zona erótica genital; a busca de um "objeto" amoroso; a definição da escolha profissional; enfim, de muitos outros aspectos que seria possível seguir citando, mas, em síntese, referem-se a organização da identidade em seus aspectos sociais, temporais e espaciais. Se pudéssemos resumir muito sucintamente o período adolescente, diríamos uma palavra - identidade.

Adolescência é um momento de vida caracterizado por uma busca constante de diferenciação, discriminação e consecução de uma identidade. Deve ser vivenciado com "flexibilidade", ou seja, o ambiente que tem um adolescente no convívio deve permitir esta experiência vital de forma flexível, que não significa nem permissividade muito menos repressividade. É poder dar-se conta que na família que tem adolescentes toda a família adolesce. Superar este momento para conquistar amadurecimento é o desafio.

É importante salientar que nossos atos precisam significados, precisam ser simbolizados para podermos nos conectar com a dimensão subjetiva das relações que estabelecemos com os outros (nossos semelhantes), senão nos tornaremos vazios, desamparados e tristes.

Uma vez ouvi que: "Aos filhos devemos dar raízes e asas". Embora seja uma metáfora um pouco incoerente, ela se presta muito para pensarmos a tarefa de cuidar de uma criança ou adolescente. Raízes seriam de onde vão nutrir-se e sempre terão para onde voltar. Asas para alçarem vôos, inclusive mais altos que os pais. Se dermos muitas raízes, ficarão dependentes, não irão muito longe. Se dermos muitas asas, poderão perder-se ou andar sem rumo, sem sentido. No processo do desenvolvimento humano, para que crianças e adolescentes desenvolvam-se saudavelmente é necessário proteção e segurança por parte dos ambientes que lhes cuidam. O equilíbrio da proteção e do cuidado é da ordem que não sufoque e não restrinja o amplo amadurecimento e permita um viver criativo. O caminho se faz caminhando...


FONTE: Trecho retirado do artigo Desenvolvimento Infanto-Juvenil e os Desafios da Realidade Contemporânea. CEREZER; Cleon S. 2009.

30 de junho de 2015

Distraído pelo barulho


Desatenção e notas baixas na escola não são sinônimo de falta de inteligência. Às vezes o problema está na incapacidade de lidar com barulho, mas poucos médicos sabem disso.

Por mais que estudasse, a paulista Glaudys Garcia não tirava notas maiores que 4. A mãe e os professores se esforçavam para lhe ensinar coisas simples, mas ela não prestava atenção em nada. Era insegura, distraída, tinha medo de falar ao telefone e não se concentrava nos livros. Acabou se isolando dos colegas. Depois de passar por vários médicos e psicólogos, sua mãe tentou um último recurso: levou-a a uma fonoaudióloga. Em três meses Glaudys estava curada. Hoje ela tem 13 anos e no seu último boletim não há nenhuma nota menor do que 6.

Pode parecer estranho, mas o problema era de audição. A menina, assim como outras centenas de milhares de crianças, sofria de desordem do processamento auditivo central, ou DPAC, um distúrbio reconhecido há apenas quatro anos que raramente é diagnosticado pelos médicos, mas pode estar afetando milhões de brasileiros. Em geral, a disfunção surge da falta de estímulos sonoros durante a infância. As estruturas do cérebro que interpretam e hierarquizam os sons se desenvolvem nos treze primeiros anos. Até essa idade, as notas musicais, as palavras e os barulhos vão lentamente nos ensinando a lidar com a audição. Justamente nessa fase, Glaudys pode ter tido problemas no ouvido que atrapalharam a entrada de sons. Acabou formando mal o seu sistema auditivo. Todos os inconvenientes pelos quais passou eram conseqüência disso.

Um dos principais sintomas da DPAC é a dificuldade em manter a concentração num ambiente ruidoso. “Quem sofre desse mal não consegue prestar atenção em uma coisa só”, diz a neurologista Denise Menezes, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Na sala de aula, não separa o que a professora diz do latido de um cachorro do lado de fora”, acrescenta.

A DPAC é comum nas grandes cidades, onde o barulho excessivo prejudica a percepção de estímulos sonoros e a poluição provoca alergias que bloqueiam a orelha com muco. Crianças que têm inflamações freqüentes nos ouvidos também podem sofrer da desordem. O pior é que, por ser pouco conhecida, a DPAC costuma ser confundida com falta de inteligência ou com alguma deficiência mental. Mas, como mostra o caso de Glaudys, uma coisa não tem nada a ver com a outra.

O mundo é barulhento demais

Para uma vítima de DPAC, o mundo se transforma numa interminável confusão de barulhos desconexos e embaralhados de onde é quase impossível pescar os sons que realmente interessam (veja infográfico). O ar-condicionado vira um zunido infernal que se sobrepõe às vozes dos outros. O telefone torna-se uma máquina indecifrável, porque o cérebro não consegue decodificar a fala do interlocutor em meio à distorção normal de qualquer ligação. Também não é fácil entender a entonação das frases. Uma pergunta pode soar como uma afirmação e uma ironia acaba parecendo a frase mais séria do mundo. Os amigos acabam se afastando, já que ninguém gosta de conversar com alguém que não entende o que os outros dizem.

A fala também é prejudicada. “Os processos de linguagem se desenvolvem ao mesmo tempo que os de audição”, explica a fonoaudióloga Liliane Desgualdo, da Universidade Federal de São Paulo, pioneira no diagnóstico da DPAC no Brasil. “Uma criança pode não aprender a falar bem se não souber lidar com os sons.” A leitura acaba igualmente afetada. “Mesmo num lugar silencioso, uma pessoa com DPAC encontra problemas em entender um texto porque, para tanto, é necessário associar as palavras ao som que elas têm”, conta a psicopedagoga Ana Silvia Figueiral, de São Paulo. Todo esse esforço para realizar atividades corriqueiras é demais para o cérebro. Chega uma hora que ele não resiste e “desliga”. Por isso, as vítimas do problema são sempre muito distraídas.

Enfim, tudo se torna uma tarefa dura. O ouvido até percebe os sons, mas o cérebro, iludido pela falta de estímulos na infância, não sabe o que fazer com eles. Os médicos geralmente não percebem a disfunção porque ninguém desconfia que sintomas tão variados possam estar todos ligados à audição, menos ainda quando constatam em exames que o ouvido funciona normalmente. E, se o diagnóstico não é feito, não há como curar (veja quadro à direita).

Reaprendendo a escutar

A DPAC só foi reconhecida nos Estados Unidos em 1996, quando a Associação Americana de Fala, Linguagem e Audição chegou a um consenso sobre seus sintomas e suas formas de tratamento. Ainda se sabe pouco sobre as causas – a falta de estímulos sonoros está entre elas, mas suspeita-se também de razões genéticas e de má alimentação. “Uma coisa é certa: a desordem está relacionada à classe social”, afirma Liliane. Ela fez uma pesquisa em colégios de São Paulo e constatou que, nas escolas particulares, entre 15% e 20% das crianças têm DPAC em algum grau. Nas escolas públicas, onde há uma proporção bem maior de alunos pobres, o índice chega a alarmantes 70%. A razão disso é que crianças mais pobres geralmente ouvem menos música, têm mais inflamações no ouvido, menos acompanhamento de pediatras e psicólogos e se alimentam pior, o que também pode prejudicar a formação do sistema auditivo. Infelizmente, a imensa maioria delas carrega esse estorvo para a idade adulta sem ao menos desconfiar que a cura pode estar ao alcance da mão.


FONTE: PEIXOTO, Fábio. Distraído pelo barulho. Super Interessante. São Paulo: Ed. Abril v.14, n.5, p. 40-43, maio, 2000.