Márcia Brandão - Psicopedagoga

Por Márcia Brandão
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29 de março de 2016

As bases neurais da aprendizagem


Quando se fala em aprendizagem revela-se que é um processo global de crescimento, no qual se adquire conhecimento, indicando que alguém veio saber algo que não sabia, como uma nova informação, um conceito, uma habilidade, que provoca, em algum sentido, crescimento individual ou grupal. 

A aprendizagem é um fenômeno complexo que envolve além dos aspectos cognitivos, os aspectos emocionais, orgânicos, sociais e culturais, que provoca uma transformação qualitativa na estrutura mental daquele que aprende (RELVAS, 2009).

O cérebro humano é um sistema complexo que estabelece relações com o mundo externo por meio de fatores significativos, estabelecendo inter-relações funcionais que são de extrema importância para o aprendizado, além do fato de que diferentes formas de aprendizagem não só envolvem diferentes circuitos neurais, mas diversos mecanismos fundamentais, que devem ser ressaltados (PAULA et al., 2006).

Em uma visão neurobiológica da aprendizagem, segundo descreve Relvas (2009), quando 
ocorre a ativação de uma área cortical, determinada por um estímulo, haverá alterações também em outras áreas, em virtude da existência de um grande número de vias de associação, precisamente organizadas, atuando nas duas direções. Desta forma, cada região cerebral executa em paralelo, a cada momento, a sua parte na coordenação das atividades diárias do ser humano. O cérebro encontra-se em atividade permanente, no qual não há regiões silenciosas, entretanto, algumas regiões tornam-se mais ativas quando a sua função é mais requisitada (LENT, 2010).

Neste âmbito, definem-se algumas funções específicas exercidas pelo cérebro: funções relacionadas à visão, como estimulação, sequencialização, rotação e decodificação visual, com a participação de outros centros do cérebro, figura-fundo, posicionamento e relação espaciais, que se concentram no lobo occipital; áreas do lobo temporal recebem, integram e organizam as percepções auditivas, aspectos elaborados da visão, a compreensão linguística, memória auditiva e interpretação espaço-temporal; o lobo parietal agrupa as funções de sensibilidade corporal e reconhecimento espacial; o lobo frontal as funções motoras, de expressão linguística, memória imediata e funções de planejamento mental do comportamento.

De acordo com Paula et al. (2006), sem uma organização cerebral integrada, intra e interneurossensorial, não é possível uma aprendizagem normal. A aprendizagem depende da complexa interação dos processos neurológicos e da evolução harmoniosa das funções mentais como percepção, atenção, memória, linguagem e emoção. 

A percepção é a capacidade que o ser humano tem de associar as informações sensoriais à memória e à cognição, de modo a formar conceitos sobre si, sobre o mundo e orientar o comportamento (LENT, 2010). Os primeiros estágios da percepção, conforme descreve Lent (2010), consistem no processamento analítico realizado pelos sistemas sensoriais, destinados a extrair de cada objeto suas características: cor, movimento, localização espacial, timbre, temperatura, entre outros; e que combinações dessas características passam por vias paralelas cooperativas no sistema nervoso central, que reconstroem gradativamente o objeto como um todo, a fim de que seja memorizado ou reconhecido, e que se possa orientar o comportamento em relação a este objeto (LENT, 2010). Contudo, para que os mecanismos da percepção possam ser aprimorados é preciso selecionar, dentre vários estímulos provenientes do ambiente, aqueles mais relevantes e significativos para o observador e, para isso, o sistema nervoso central conta com a atenção (LENT, 2010).

A atenção consiste em focalizar a consciência, concentrando os processos mentais em uma única tarefa principal e colocando os demais em segundo plano (LENT, 2010). A manutenção da atenção, seletividade das informações, capacidade de processamento da informação e atenção alternada, são essenciais para manter as atividades cognitivas (PAULA, 2006; SOHLBERG; MATEER, 2011). A atenção está intimamente ligada à memória de trabalho, na qual armazenamos temporariamente informações que serão úteis apenas para o raciocínio imediato e a resolução de problemas ou elaboração de comportamentos, mantendo-a por tempo suficiente, tornando possível desviar a atenção para uma nova tarefa e, então, retornar com sucesso a atividade original, podendo ser descartadas (esquecidas) logo a seguir (LENT, 2010; SOHLBERG; MATEER, 2011). 

Posner e Peterson (1990, apud SOHLBERG; MATEER, 2011) sugerem que três circuitos cerebrais, inter-relacionados, controlam as funções atencionais nos humanos – orientação da atenção no espaço, seleção do alvo e conflito da resolução, alerta/atenção mantida, e os processos da memória de trabalho. O primeiro circuito - a orientação espacial - depende do sistema atencional posterior, que inclui o lobo parietal posterior; o segundo circuito - a seleção do alvo e conflito de resolução - é desempenhado nas áreas anteriores do cérebro que incluem o giro cingulado anterior e as áreas motoras suplementares; a rede de alerta e sustentação da atenção, empregada quando a atenção precisa ser mantida na ausência de novos estímulos externos, é exercida pelas regiões pré-frontais diretas (hemisfério direito); e os processos de memória de trabalho, têm mostrado ativar a rede cerebral que inclui as áreas do córtex pré-frontal dorso lateral, com localização diferente para material verbal e espacial, e áreas posteriores.

A memória, outra função mental importante na aprendizagem, é o processo de aquisição e arquivamento seletivo de informações que podem ser evocadas para utilização posterior. Segundo Lent (2010), a aprendizagem é reconhecida como o processo de aquisição das novas informações que vão ser retidas na memória, capaz de orientar o pensamento e a ação.

A capacidade de especialização cerebral em armazenar dados para a sua utilização posterior permite, mediante a memória, codificar e decodificar informações (PAULA et al., 2006). A memória está ligada ao aprendizado e à capacidade de repetir acertos e evitar erros; representa a reprodução mental das experiências captadas pelo corpo, movimentos e sentidos. (RELVAS, 2009).

Quanto aos mecanismos neurais da memória, Lent (2010) esclarece que não há uma região cerebral específica responsável pelos processos mnemônicos, sendo a memória considerada um sistema múltiplo, no qual as informações duradouras e transitórias são armazenadas em diversas áreas corticais, de acordo com a sua função: memórias motoras no córtex motor, visuais no córtex visual e assim por diante; e que o processo de consolidação é fortemente influenciado por sistemas moduladores, sobretudo os envolvidos no processamento emocional. 


Depreende-se então que o processo de memorização é complexo, que envolve, conforme esclarece Relvas (2009), sofisticadas reações químicas e circuitos interligados de neurônios que, quando ativados, liberam neurotransmissores que atingem outras células nervosas por meio de sinapses. 

As sinapses conferem ao sistema nervoso a sua enorme e diversificada capacidade de processamento de informações entre um neurônio e outra célula, através da qual se dá a transmissão de mensagens entre as duas, que podem ser modificadas no processo de passagem de uma célula à outra, o que demonstra a grande flexibilidade do sistema nervoso (LENT, 2010). Através do aprendizado o cérebro ativa as sinapses, tornado-as mais “intensas” e como consequência, estas se constituem em circuitos que processam as informações, com capacidade de armazenamento molecular. 

Por fim, não menos importante, tem-se a linguagem, oral e escrita, receptiva ou expressiva, que é um dos componentes fundamentais na organização cognitiva e nos processos complexos da aprendizagem (PAULA, 2006). A linguagem possibilita a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento e funciona como construtora de significados, através do pensamento. 

As modalidades da linguagem envolvem sistemas pareados de expressão e compreensão, sendo classificada conforme explicam Ferreira, Ferreira e Oliveira (2010), em linguagem expressiva, que consiste na possibilidade de usar gestos, palavras, símbolos escritos e outros signos para a comunicação; e a linguagem receptiva, que é a possibilidade de compreender palavras e gestos. Quando a expressão é oral (fala), a compreensão ocorre principalmente pelo sistema auditivo; quando a expressão é gestual ou escrita, a compreensão é realizada pelo sistema visual (LENT, 2010). 

A linguagem falada possui uma forte base neurobiológica inata que permite a aprendizagem logo aos primeiros meses de vida pela escuta dos adultos falando e pela prática da emissão de sons, enquanto a escrita é uma construção cultural cuja aprendizagem depende de um ensino formal bem mais prolongado e trabalhoso (LENT, 2010). Contudo, falhas no processamento neurológico interferem o uso da linguagem em suas diversas formas (compreensão e expressão), pois o sistema linguístico humano é determinado por uma rede de áreas conectadas, como as áreas conceitualizadoras, que realizam o planejamento do conteúdo da fala e a compreensão do que se ouve; áreas formuladoras, que se encarregam do planejamento e da compreensão da forma das palavras e frases; e áreas articuladoras, que efetivamente comandam os movimentos necessários à fala; assim como, pelo envolvimento de inúmeras regiões corticais, entre elas as auditivas, visuais e de processamento emocional.

Portanto, depreende-se que a aprendizagem é o resultado da recepção e troca de informações entre o meio e os diferentes centros nervosos. Deste modo, associar, prestar atenção, compreender, reter, transferir e agir são alguns dos componentes principais da aprendizagem. Neste âmbito, Paula (2006) esclarece que a informação captada é submetida a contínuo processamento e elaboração, que funciona em níveis cada vez mais complexos e profundos, que vão desde a extração das características sensoriais, a interpretação do significado, até a emissão da resposta.

BRANDÃO, Marcia. Os processos cognitivos e a aprendizagem na Síndrome de Down com o olhar da Neurociência. Trabalho apresentado como requisito parcial para a conclusão do Curso de Especialização em Neurociência aplicada a Educação Especial e inclusiva. Rio de Janeiro, 2015.

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